Entrevista - A sobreposição do negociado sobre o legislado
A sobreposição do negociado sobre o legislado
Em um cenário em que - segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - mais de 12 milhões de brasileiros estão desempregados, qualquer proposta de alteração e revisão de direitos já consolidados é vista com ressalvas. Por isso, quando o presidente Michel Temer anunciou o Projeto de Lei nº 6.787/2016 que prevê uma reforma trabalhista no Brasil, a polêmica em volta do assunto se instaurou rapidamente.
Entre especialistas, é consenso que a proposta traz pontos negativos significativos, embora também apresente avanços. De acordo com o ministro da Casa Civil, o notório Eliseu Padilha, o texto deve ser enviado ao Congresso Nacional em abril, numa tentativa para que a aprovação possa ocorrer antes do fim do primeiro semestre.
O principal ponto que causa preocupação é a sobreposição do negociado sobre o legislado. Todas as negociações trabalhistas passariam pela mediação de um sindicato, mas há dúvidas sobre a efetividade dessa medida. Ocorre que nem sempre os sindicatos refletem exatamente os desejos de uma categoria.
"É o grande nó da questão, porque a maioria dos sindicatos são contrários à reforma, mas não podem argumentar dessa maneira. Como a entidade sindical vai alegar que o sindicalismo brasileiro não está preparado para defender os trabalhadores?" - pondera o presidente da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB-RS, advogado Raimar Machado.
Ele também é vice-presidente da Comissão Nacional de Direito Social do CF-OAB, diretor do Departamento de Processo do Trabalho do Instituto dos Advogados, doutor em Direito do Trabalho pela USP e pós doutor pela Universidade de Roma.
Para ele, a prevalência do negociado pode trazer vantagens ao trabalhador, uma vez que a atual legislação é impositiva, ou seja, não pode ser desrespeitada ou afastada por vontade das partes. "Se permitir que acordos entre sindicatos das empresas e dos trabalhadores tenham mais força que a lei, pode-se negociar direitos não tão importantes. Por exemplo, pode ser que um funcionário prefira abrir mão de 30 dias de férias em troca de uma carga horária menor durante o mês. Dá lugar a uma ampla liberdade negocial" – explica Raimar, acreditando que o sindicato sempre terá mais força do que a empresa.
Nesta conversa com o Espaço Vital, Raimar também abordou aspectos relacionados com o recente impasse entre advogados e parte da magistratura trabalhista (seriam 56 juízes “orquestrados”), a propósito de honorários contratuais.
EV – Pode ser encarado como sem gravidade, ou corriqueiro, o recente enfrentamento entre advogados trabalhistas e meia centena de juízes gaúchos?
RAIMAR MACHADO – Normal não é, tanto que as divergências geraram polêmicas e motivaram minuciosa atenção da mídia especializada. Mas existem áreas de conflito bem pontuais, e na conjunção a OAB gaúcha, por meio de sua Comissão Especial da Justiça do Trabalho, tem contado com a sensibilidade da Administração do TRT-4 para a superação dos impasses que surgem, vez por outra. São fenômenos pontuais, que não se cingem à labuta nos fóruns trabalhistas. Outras comissões da OAB também estão em constante atividade para verem respeitadas as prerrogativas e a dignidade profissional dos advogados.
EV – Esses desentendimentos seriam decorrência de conflitos ideológicos?
RAIMAR MACHADO – Eu sustento que os conflitos ideológicos e a secular dicotomia entre o capital e o trabalho não podem servir de argumento para a divisão da advocacia. Os principais problemas enfrentados pela Comissão que eu presido na OAB-RS consistem na permanente tentativa de desmoralização da Justiça do Trabalho, por parte de setores do Poder Público e alguns entes particulares com interesses muito bem definidos.
EV – Não há unanimidade entre advogados patronais e advogados que defendem reclamantes, quando o assunto é a reforma da legislação trabalhista...
RAIMAR MACHADO – A reforma trabalhista não se confunde e nem pode ser tratada em conjunto com os problemas da Justiça do Trabalho, em si. Aquelas questões, de direito material, devem ser vistas de modo desarmado e aberto, visando o aperfeiçoamento do direito positivo, fundado em que nada é perfeito nem eterno. Sendo assim, propostas que visem o aperfeiçoamento da lei também devem ser examinadas, aprovadas ou rejeitadas, conforme o caso, porém de modo desapaixonado.
EV – Como se comportam, no caso, os sindicatos?
RAIMAR MACHADO- O sindicalismo brasileiro enfrenta um sério paradoxo: ou luta para manter o direito de criar normas e vê-las respeitadas, ou abre mão disso e entrega o direito de legislar integralmente para o Poder Público. O que não se pode esperar é que queiram criar normas, mas não queiram que elas valham como tal.
fonte: http://www.espacovital.com.br
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