O CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO FRENTE AO RELATIVISMO AXIOLÓGICO - A AUSÊNCIA DE VALIDADE TRANS-SUBJETIVA DO VALOR COMO ÓBICE À CONCRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL
O CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO FRENTE AO
RELATIVISMO AXIOLÓGICO - A AUSÊNCIA DE VALIDADE TRANS-SUBJETIVA DO
VALOR COMO ÓBICE À CONCRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL
Raimar Machado[1]
“…no próprio momento em que alguém se dispõe
a defender uma opinião e a tentar convencer dela os outros, já afirma
implicitamente a existência de valores objetivos.” HILDEBRAND
1.INTRODUÇÃO
É bem atual a discussão acerca da validade dos juízos
de ponderação, da idéia de uma justiça prospectiva e da validade do
ativismo judicial, como práticas capazes de permitir, entre outras coisas, a
superação de lacunas, contradições e falta de clareza, deixadas, como
resíduos, no rastro da atividade legisferante.
A par de formulações que pretensamente estabelecem, para
referidas práticas, técnicas capazes de permitir o ato de julgar à míngua da
existência de um instrumental normativo hábil e suficiente, enfrentamos um
outro problema que, no afã de modernidade e de efetividade do ato de julgar,
acabamos por desconsiderar, qual seja, a falta de mecanismos que tenham se
mostrado suficientes para permitir a prática do ato de interpretar e aplicar o
direito positive exitente, com base em valores de aceitação geral.
Sem este intrumental, mergulhamos em um plano de
subjetivismo que sempre permitirá soluções distintas, para casos semelhantes,
mesmo se estivermos diante da existência de uma norma objetiva que traga,
aparentemente, solução para o caso concreto.
Assim sendo, tanto a existência quanto a inexistência
de tais normas trazem consigo a possibilidade de interpretações e compreensões
exóticas acerca do direito aplicável e de seu sentido.
Se por um lado, temos a percepção óbvia de que o
sistema de normas não abrange a totalidade das hipóteses possíveis no mundo
fenomenológico, temos por outro lado, a ciência de que as soluções para os
casos sem regulamentação exauriente devem ser trazidas por categorias
normativas, cuja identificação e manejo consistem em missão atribuída
infra-constitucionalmente ao Poder Judiciário.
O problema posto será o de verificarmos os
vícios e dificuldades existentes na ideia de julgamento, maxime quando sem o
suficiente norte da lei, e se existe uma formulação capaz de permitir que
tais julgamentos tenham um mínimo de previsibilidade, dentro da expectativa
coletiva do que seja justo e cabível, e dentro de uma diversidade de
casos que integram uma estrutura dinâmica, mutável e multidimensional própria
da vida em sociedade.
Partimos do entendimento de que tais questões,
próprias da modernidade, só podem ser solucionáveis através de uma
categoria surgida nos primórdios do pensar humano, que é a ideia de valor,
com seus problemas ontológicos, e, em especial, com suas diferentes formas
de enquadramento, alocação e
hierarquização, em especial no que se relaciona com tudo o que advém do
empírico.
Somente a formulação de um método definido para a
verificação de tais hierarquias poderá permitir, ao final, uma consciência
axiológica dita trans-subjetiva, capaz de livrar o jurisdicionado do risco de
passar a ser julgado por concepcões personalistas, individuais, subjetivas e
arbitrárias, sob fundamentações retóricas que, meramente, atendam a uma
exigência de validade da decisão, mas que, no seu âmago, não possuam o condão
de transmitir à sociedade uma ideia de justiça e de validade do ato de
julgar.
Com isto não se cumprirá o principal desiderato
da Justiça, que longe de ser o de por fim ao litígio, será sempre o de trazer
consigo uma ideia de pacificação social.
Aqui talvez
resida o problema máximo do moderno constitucionalismo: O de trazer para os
cidadãos soluções pautadas em uma profusão de princípios dotados de força
normativa, dentro de um sistema de normas positivadas eivadas de vícios (dos
quais alguns já mencionamos acima) e ainda assim chegar a soluções justas,
igualitárias e válidas, sob múltiplos olhares.
O caráter igualitário das decisões assentadas sobre
semelhantes hipóteses fáticas, consiste em uma exigência principiológica, só
sendo cabível a variação na exata proporção em que varie o fato e suas
circunstâncias, condenando-se, desde logo, qualquer fundamentação que
busque justificar tratamento distinto para casos substancialmente semelhantes, ou
seja, sem que se aponte, na mesma fundamentação, onde, pelo quê e em que medida
os fatos se distinguem.
Ao sustentar o relativismo axiológico, o qual
possibilitaria aceitar como um desvalor aquilo que para os demais seria um
valor, e vice-versa, o julgador abstrai o fato de ser a voz de uma instituição,
sendo esta uma pessoa jurídica de
direito público, a qual deveria comprometer-se com a coerência e com a
unicidade metodológica de suas decisões.
Mesmo que não fosse sustentável a ideia de valores
absolutos, no plano da percepção humana, seria totalmente viável e salutar para
a Justiça a ideia de valores e métodos convencionados como tais, de modo com
que o ato de submeter-se a um julgamento não fosse similar ao ato de
submeter-se a uma espécie de sorteio, no qual contaríamos com a álea
de, na roleta metafórica da distribuição dos feitos, sermos
contemplados com um aplicador e intérprete que viesse a ter uma visão de
justiça que nos fosse mais favorável.
Assim, tiraríamos da verdadeira justiça essa qualidade
de jogo de sorte ou azar e ficaríamos diante de uma Justiça eticamente capaz de
exigir do cidadão uma prévia noção do acerto ou desacerto de sua conduta, pois
isto faria parte de uma convenção axiológica e metodológica anterior à
existência do litígio.
A lei e a aceitação dos princípios readquiririam,
aqui, o brilho, como válidas pactuações entre cidadãos e entre estes e o
Estado, no sentido de que determinadas compreensões jurídicas e filosóficas seriam
irretorquivelmente aceitas e objetivamente validadas, mesmo que isto viesse a
contrariar o particular e personalíssimo senso valorativo de um determinado intérprete.
Do contrário, permaneceremos
diante de uma forma de ceticismo jurídico, perante o qual nada será válido ou
verdadeiro por si mesmo.
2.O PARADOXAL RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE VALORES
OBJETIVOS, IMPLÍCITO NA FUNDAMENTAÇÃO DE TODAS AS DECISÕES
Nossa Carta Magna impôs, ao julgador, a
obrigatoriedade de fundamentar suas decisões.
Com isto, descreve-se, em cada sentença ou acórdão, o
caminho pelo qual se chegou a determinada conclusão, quase uma forma de
tentativa de convencimento quanto ao seu acerto.
A fundamentação, sob esta ótica, nada mais é do que
uma obrigatória justificação daquilo que está sendo decidido, bem como uma
tentativa de demonstração da compatibilidade da decisão frente a todo um
sistema de normas e valores, integrantes do próprio sistema constitucional.
É inegável,
também, que a fundamentação buscará apresentar seus elementos dentro de
uma noção de compatibilidade máxima frente ao mesmo sistema, não havendo
dúvidas, portanto, de que partirá, implicitamente, da ideia de existência de
valores comuns à todos, não subjetivos e, portanto, objetivos. Do contrário,
seria a pura e simples confissão do arbítrio.
De todo modo, a obrigatoriedade de fundamentação da sentença
mitiga a noção de que esta partiria de um ato de “sentir” o direito,
muito ao agrado do ativismo judiciário desenfreado, embora de longe conjugue-se
com a noção de Max Scheller e de Pascal, acerca da definição de “valor” como
algo só perceptível através de um “sentir intencional”, sem a menor
possibilidade de tal percepção dar-se através de um exercício intelectual
puro.
Valores girando em um âmbito emocional, só
atingível pelo sentimento, naquilo que o próprio Scheller denominaria
como sendo uma “Ordre du coeur” .
No entanto, diante de uma pluralidade de
intérpretes e de possibilidades de sentimentos, a eles obviamente inerentes, só
podemos pensar no sentir próprio da decisão judicial como algo definido e
determinado pela atividade racional do julgador, sob pena de adentrarmos no
caos
Exemplificamos com a seara juslaboral, consistente no
direito material do trabalho, fundado em uma realidade presente na
primeira metade do século XX, e
que veio a sofrer radicais transformações ao longo das últimas sete
décadas, não servindo mais, de modo suficiente, para a solução de
questões que ainda não foram previstas pelo legislador, embora tais situações estejam
presentes e bem visíveis, no plano empírico e fenomenológico, permitindo
frequentemente decisões que partem, supostamente, de um “sentir racional”.
Isto nada tem a ver com a completude ou
incompletude do sistema normativo, mas sim com a sua operacionalidade e eficiência,
pesando, em favor do direito laboral, o fato de gozar de uma capacidade
autopoiética que admite sua constante adaptação (metódica e controlada), seja
no plano legislative, seja no plano jurisprudencial.
É por esta razão que a ampliação dos limites dos
direito pleiteados e deferidos nas demandas trabalhistas, conta, ou deve
contar, com uma visão centrada na realidade complexa dos sujeitos,
nas possibilidades lógicas da demanda e especialmente na equidade.A par disto, tais direitos devem estar
alicerçados em critérios axiolóxicos comuns e universais, sob pena de dispersão
de seus significados.
Também por isto
que admite-se como cabível a judicialização toda e qualquer controvérsia que aponte para a necessidade de concretização de
princípios comumente aceites, em especial o da proteção e o da dignidade da
pessoa humana, estando aqui presente o exemplo claro do avanço do direito, por
caminhos novos, porém seguros, posto que avaliados por critérios valorativos trans-individuais.
Vale ressaltar, exemplificativamente, algumas das
inúmeras questões de direito material inspiradas pela realidade, as
quais poderiam servir para amalgamar novos direitos no plano laboral,
permitindo uma plena apreciação judicial (independentemente de suas
possibilidades tópicas quanto ao mérito) desde que examinadas à luz de valores
consagrados ou aceitos pela comunidade jurídica.
3. O
QUE PODEMOS EXTRAIR DO PRESUPOSTO DE QUE A NINGUÉM É DADO DESCONHECER A LEI?
A ideia de que a ninguém é dado eximir-se de cumprir a
lei alegando seu desconhecimento traz consigo responsabilidades do Estado,
quais sejam, a de transmitir, pela via legislativa, com clareza, não só o
conteúdo normativo que rege a vida em sociedade, como também, através de outra
via, que é a judiciária, a de definir
com clareza a compreensão jurisprudencial de suas normas, inclusive
principiológicas, aproximando-se ao
máximo do conceito de justiça esperado pelos cidadãos, mesmo que
desconhecedores dos meandros técnicos do
Direito.
A complexidade do Direito, como ciência, não servirá,
assim, de justificativa para que dele emanem constatações, deliberações e declarações que fujam dos padrões axiológicos chancelados pela própria coletividade submetida aos seus
ditames.
Do contrário, não teríamos como dar vida à ideia do
conhecimento obrigatório e prévio da lei, mesmo consentido-se que tal decorre
mais de uma ficção, como requisito para
a operacionalidade do sistema, do que de uma constatação lógica ou mesmo
empírica, visto que tal “conhecimento geral” não é admissível sequer para os
mais dedicados estudiosos da dogmática jurídica.
Percebe-se assim que a mera noção acerca de enunciados normativos não soluciona
o problema do conhecimento prévio, quando não haja ao depois um esforço
interpretativo que dê à lei um sentido único para o conteúdo normativo que dela
se espera.
É injusto que, no ato de julgar, se ofereça uma
surpresa às partes, tirando-se de cada imaginação e criatividade individual, de
cada julgador, um sentido inesperado para a lei e uma visão própria, por vezes
excêntrica, sobre o fato posto à apreciação judicial.
Neste ponto, norma e valor passam a ser caminhos
obscuros e intransitáveis por aqueles que querem se dirigir até o lugar onde se
produz, efetivamente, a Justiça.
Por outro lado, se a decisão judicial tiver o condão
de transmitir às partes um sentimento de lugar comum, de bom senso, de ideia
compartilhada acerca do que dela se
espera, estaremos por fim nos libertando de uma noção de direito formulário,
medieval, capaz de formalmente por fim
ao litígio, mas incapaz de por fim ao sentimento de injustiça e, pior, incapaz
de contribuir para a paz social.
Sob tal enfoque, sequer será justo que se exija do
cidadão o conhecimento prévio da lei, pois de nada vale presumir-se o
conhecimento acerca de seu conteúdo literal, dentro da teratológica perspectiva
de sentidos sob valores múltiplos, personalíssimos e por vezes até
incompatíveis entre si.
4.O ESPÍRITO
UNIVERSAL HEGELIANO FRENTE A ÉTICA DA LEI E DAS DECISÕES JUDICIAIS
Curiosamente, as próprias convicções do julgador
acerca do que seja a realidade, oscilam em conformidade com seu modo particular
de avaliá-la.
Sendo assim, e
considerando-se a impossibilidade lógica de duas realidades concomitantes,
simultâneas e contraditórias, é
impensável termos uma certeza individual “consciente” e única.
Apenas uma comunhão de valores acerca da totalidade
daquilo que é real, permite um mínimo de coerência, traduzida pelo consenso não
só entre os aplicadores do direito como também entre os demais atores e,
particularmente, entre os próprios jurisdicionados.
Essa comunhão de vontades e de sentido de realidade,
entre cada sujeito e sua coletividade, é o que dá ao sistema normativo e à
própria jurisdição um sentido impessoal, ético e possível, capaz de traduzir de
modo aceitável o justo verdadeiro.
A liberdade e o direito, como ideias-força, assumem
aqui um sentido possível, independente e protegido de visões antagônicas e
interpretações excêntricas, incapazes de permitir a própria vida em sociedade.
Embora seja o Estado livre detentor do controle de
suas próprias manifestações (a ideia
consagrada de um Estado em si e para si), estas sempre decorrerão de uma
construção subjetiva, formando a universalidade que o faz único e soberano.
Aqui, a soberania, longe de ser a negação de toda
subjetividade, é, na verdade, a sua soma, o seu extrato, a afirmação de seus
pontos de consenso ético, moral, jurídico e de todos os valores imprescindíveis
ao convívio social.
Para cada cidadão, sua eticidade decorrerá, assim, da
eticidade que dele se espera, em uma construção coletiva, trans-subjetiva e
permanente.
Precisamos aceitar que, através do método dialético, e no tempo
superdimensionado do Estado, seria possível o atingimento de consensos éticos,
na forma de sínteses geradas por decisões distintas e até mesmo contrárias.
Na verdade, mesmo que esta prática dialética viesse a
gerar um sistema de valores aceitável, no futuro, traria no presente, e por
muito tempo, uma pesada carga de injustiças
e de sofrimento.
5.O
CONCEITO DE VERDADE ABSOLUTA SÓ É ADMISSÍVEL ENQUANTO CONSENSO
Não se pode negar que a linguagem, como intrumento
essencial para a expressão do direito, peca por não permitir uma unicidade e um
sentido inequívoco naquilo que enuncia e transmite.
Assim o é no direito, assim o é na arte, na filosofia e em todas as demais expressões
do espírito humano que a utilizem.Se na arte e na filosofia, categorias não
normativas, já é grande o prejuízo decorrente de tais limitações, estas se agravam consideravelmente quando no
território do direito.
A essência da linguagem, o seu sentido verdadeiro,
perquirido por Wittgenstem em seu Tractatus Lógico Philosophicus, faz tanta ou mais falta no direito quanto na
filosofia.
A já constatada falta de tal essência, na
linguagem, nos obriga a conceituar e definir os enunciados normativos consensualmente,
através da adoção de critérios éticos aceitáveis.Obserfva-se assim, claramente,
que não é da linguagem, ou da literalidade dos enunciados, que partirá o tal sentido único dos enunciados normativos.
Se para Wittgenstein e para
a filosofia, de modo geral, a linguagem pode variar de significados
circunstancial e contextualmente ( in Investigações Filosóficas), efetivamente
não se pode perquirir acerca de uma verdade pura ou absoluta.
É palatável, para a filosofia, jogos que permitam
interpretações distintas de um único enunciado, sob controle de quem o emite ou
tomando-se por base o contexto no qual está inserido.Para o direito, no
entanto, o significado preponderante não deve ser determinado apenas por quem enuncia
a norma, e sim, consensualmente, como já dito, através de uma aceitação
coletiva.
O fato de a filosofia
encontrar em tais parâmetros uma impossibilidade, por buscar afirmações que
tenham, por si só, significados inequívocos e universais, não impede que o
direito posto, dada a sua natureza paracontratual, venha a ser elaborado e
aplicado dentro das balisas postas por quem o cria, aplica ou a ele se submete.
Aqui, a falta de plena liberdade interpretativa e a
adesão a regras, conceitos, fórmulas e premissas comuns, é o que permite que se
transite com segurança, transpondo-se a insegurança própria das limitações da
linguagem, e se chegue até a essência do direito que se pretende delinear.
6.A
REGRA DE OURO EM KANT E A TRADUÇÃO SENTENCIAL DO AGIR COMO REGRA UNIVERSAL
A contribuir, de modo otimista, com a possibilidade
concreta de uma interpretação consensual do direito, temos primeiramente que
este destina-se à produção do bem.É uma categoria comprometida, portanto, com a
ética.
Neste sentido, a percepção do que seja o bem ou do que
seja bom para cada indivíduo, e, simultaneamente, para todos, é um indicativo
que nos deixa muito próximos do que deva ser consensuado como valor.
As grandes correntes religiosas e filosóficas, de um
modo ou de outro, tentaram situar o bem naquilo que é bom para cada um de nós e
portanto para todos, podendo ser, assim, uma regra ou procedimento a ser
adotado sem contra-indicações .
Tratando sobre a ética, Kant sai do subjetivismo e do
individualismo trazido pela chamada Regra de Ouro, segundo a qual o nosso
sentir deveria nortear o noso proceder, e parte para uma versão revista e
ampliada, ditando que devemos agir como se o nosso agir individual pudesse
tornar-se uma regra universal.
Isto de fato evitaria visões assépticas e
descomprometidas do que seja o bom para os outros e do que seja o bom para nós,
visto que uma coisa confundir-se-ia com a outra, impedindo que a lei e a
aplicação da lei fosse pautada em interesses pessoais e egoísticos. O
relativismo moral deixaria, assim, de ser a regra.
Observamos claramente a falta desse chamado imperativo
categórico, quando, para exemplificar, os agentes do Estado criam normas para
remunerar em milhares de reais a sua própria atividade, enquanto que, para o
restante da população, fica estabelecida remuneração quarenta, cincoenta ou cem
vezes inferior.O mesmo se observa,
também, quando os tribunais validam tais
regras, claramente discriminatórias e injustas. Essa carência ética
também exurge de outros privilégios, ligados à saúde, educação, moradia (aqui temos
por exemplo o auxílio moradia pago aos integrantes de algumas carreiras
jurídicas, em valor mensal equivalente ao que um operário recebe por quase meio
ano de trabalho, sendo que este ultimo via de regra não tem moradia digna nem
remuneração capaz de garantí-la, nem auxílios ou coisas semelhantes, valendo-se
de um salário mínimo obviamente insuficiente).
Kant, ao discorrer sobre o imperativo categórico, não
estava a tratar pura e simplesmente de conceitos que permitissem a cada sujeito conceber o que é
bom ou o que é ruim, por que também
beira o óbvio que aquilo que queremos
para nós (salvo em algumas patologias e fanatismos) é evidentemente o bom e o
que não queremos é evidentemente o ruim.Pretendia,
para além disto, evitar que o egoismo humano pudesse relegar o outro a uma
situação degradante, reservando apenas para
si próprio aquilo que, de antemão, saberia ser o bom.
Estes dois sentidos (positivo e negativo) do
imperativo categórico, consistindo em regras de fazer e de não fazer, não
tangenciam verdadeiramente o relativismo moral, o qual, no seu estado puro,
seria fruto do senso de alteridade e da empatia.
Trata, isto
sim, dos riscos de um falso relativismo, decorrente de uma carência ética, que pode
nos induzir a impingir aos outros aquilo que de modo algum desejaríamos para
nós mesmos, tal como a miséria, o desabrigo, a doença, o desemprego e outros
desvalores que acometem a humanidade.
7.A
IDEIA PARCIALMENTE VERDADEIRA SEGUNDO A QUAL A SENTENÇA SURGE DO SENTIR
Conclui-se aqui que a interpretação e a aplicação do
direito dependem de muito mais do que de um sentir humano.
Dependem também, fundamentalmente, da observância da
lógica e do respeito ao que foi consensuado como sendo um valor relevante para
a coletividade.
Seu acerto depende de um despir-se da ignorância e do
egoismo, e o único relativismo moral
nela (interpretação) admissível é aquele que permite compreender o
outro, nas suas limitações e
especificidades, com o intuito comprovável de fazê-lo superar limitações,
deficiências e outros handcaps que viessem a contribuir para a desigualdade.
Aquele “relativismo” que serve para acreditarmos que a
dose de sofrimento ao qual pode submeter-se o outro é muito superior ao
sofrimento que nós mesmos suportaríamos é, na realidade uma demonstração de pobreza
ética e moral, fazendo-nos lembrar de uma frase bem conhecida, pronunciada por
um general em entrevista para um documentário sobre a Guerra do Vietnã, ao
justificar as mortes de milhares de civis vietnamitas, afirmando que , para
eles (os vietnamitas, por certo) a vida era um bem abundante e de menor valor.
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[1] Advogado, Professor do PPGD da
UNISC/Mestrado e Doutorado, Doutor em Direito Pela Universidade de São
Paulo,Pós Doutor pela Universidade de Roma-TRE, Membro Honorário da Academia
Brasileira de Filosofia, Membro Fundador (cadeira no. 3) da Academia
Sul-Rio-Grandense de Direito do Trabalho, Diretor do Dpto.de Direito Processual
do Trabalho do Instituto dos Advogados do Brasil, Membro da Comissão de Direito
Social da OAB Federal
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