REPARAÇÃO  PELO DANO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES DE EMPREGO: A TUTELA PELA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, ASSEGURADA AO TRABALHADOR

Raimar Machado[1]
Bruno Dittberner[2]


RESUMO

O presente trabalho trata do tema “reparação pelo dano existencial nas relações de emprego: a tutela pela dignidade da pessoa humana, assegurada ao trabalhador”. Pretende-se, à luz da literatura recente e relevante a propósito da situação em tela, analisar, discutir e apresentar os principais aspectos teóricos que envolvem essa problemática. Para tanto, utiliza-se o metodologia de pesquisa bibliográfica que consiste, basicamente, na leitura, fichamento e comparação das teorias dos principais autores do direito do trabalho que tratam desse problema. Partindo-se do pressuposto de que é assegurado a todos uma vida livre e digna e que o ordenamento nacional reconhece a responsabilização civil em caso de desrespeito e dano a direitos de outrem, pretende o presente estudo realizar uma análise sobre o instituto, traçando seus principais aspectos e tratando sobre sua importância para o direito do trabalho.


Palavras-chave: indenização; dano existencial; dignidade da pessoa humana.



ABSTRACT

This job was conducted through the hermeneutic method, with the title "existential damage repair by the employment relations: the protection of the dignity of the human bring, the insured worker." It was intended, in light of recent and relevant literature, analyze, discuss and present the main theoretical aspects surrounding this issue. It was made literature reserch that basically consists in reading, book report and comparison of the theories of the principal authors of labor law that have written about this isue. Starting from the assumption that everyone is assured a free and dignified life and the national system recognizes civil liability in case of failure and damage to the rights of others, the present study aims to conduct an analysis the institution, tracing its main aspects and dealing on its importance to the labor law.


Keywords: restitution; existential damage; dignity of the human being.








SUMÁRIO - 1 introdução. 2 origem histórica dos direitos trabalhistas. 3 a tutela pela dignidade da pessoa humana no ordenamento pátrio. 4 a responsabilidade civil. 4.1 o dano. 4.2 a culpa. 4.3 o nexo causal. 5 a reparação pelo dano existencial. 5.1 o dano existencial. 5.2 o dano moral e o dano existencial. 6 conclusão. 7 Referências

1 INTRODUÇÃO

As relações de trabalho estão em constante metamorfose. As modificações na forma de realização de trabalho são reflexos de um sistema capitalista que impulsiona e pressiona o mercado, acarretando em uma necessidade de superprodução, em que não há espaço para desperdícios financeiros e hipodesempenho da mão-de-obra.
À margem, está o trabalhador, classe que, consequentemente, sofre os principais abalos de tal impulso. Classe indiscutivelmente mais fraca, tem de arcar com o ônus de tal pressão, ao passo que, comumente tem benesses suprimidas e obrigações agregadas, à vista de ter o seu empregador condições de se manter competitivamente no mercado. Daí a importância do direito do trabalho: a tutela por condições dignas ao trabalhador, classe dominante na sociedade global.
No entanto, ainda que por meio de lutas de classe o obreiro tenha conquistado direitos e proteções, a metamorfose das relações tem encontrado entre as brechas legais – e da realidade fabril – uma forma de aumentar o lucro, de maneira a não lesar os interesses empresariais.
À vista disso, o direito juslaboral – acompanhando a evolução da sociedade – vem buscando soluções para frear os abusos que acabam por estourar no trabalhador, vivenciando, também, a sua metamorfose, ainda que a passo mais lentos.
O presente estudo tem por intuito uma análise do dano existencial, solução advinda do direito italiano, com vistas a proteger o trabalhador das exigências empresariais que vem ferindo o direito constitucional a uma vida digna, mais precisamente no que atine à vida de relações e aos projetos de vida do obreiro, que, antes de tudo, trata-se de um ser humano, quando despido de seu jaleco e de seu crachá, e que labora para buscar uma ascensão pessoal, com vistas a atingir seu clímax pessoal em sua esfera privada e pessoal, após suas 8 horas de jornada laboral diária.


2 ORIGEM HISTÓRICA DOS DIREITOS TRABALHISTAS

A utilização de forças motrizes distintas da força muscular do homem e dos animais – dentre outros motivos – alavancou a evolução do maquinismo. Consequentemente, a instalação de uma indústria movida pelo carvão passou a instalar-se. O resultado, o surgimento da Revolução Industrial, trazendo com ela a modificação das condições de emprego da mão-de-obra e um êxodo, que gerou um aumento do proletariado.
Concomitantemente, vivia-se momento de aplicação do regime liberal, em reação ao absolutismo monárquico antes vivenciado. A concepção fundamental do regime em vigor à época é a de uma sociedade política guiada pelo consentimento dos homens, sob a direção da vontade geral, em liberdade e igualdade, sendo o governo mero intermediário entre o povo e essa vontade geral, buscando o Estado abster-se ao máximo de qualquer interferência nas relações privadas.
Assim, estava o Estado omisso de regular as relações de trabalho mantidas entre as partes, bem como evitava ao máximo qualquer parcialidade ou tutela pela parte hipossuficiente.
Diante de todos esses fatores, regiam-se entre os contratantes – empregado e empregador – uma relação de cunho civil, contratual, caracterizada pela liberdade apregoada pelo regime em vigor, ao passo que “foi realmente muito expressiva a influência que a codificação do direito civil exerceu sobre a disciplina inicial do contrato de trabalho” (NASCIMENTO, 2008, p. 25), pelo que “acreditava-se que o equilíbrio nas relações econômicas e trabalhistas pudesse ser atingido diretamente pelos interessados segundo o princípio da autonomia da vontade.” (NASCIMENTO, 2008, p. 25).
No entanto, o conflito de interesses rendeu situação adversa da esperada: a prole buscando ascensão econômica e social – mas, de fato, apenas lutando por sobrevivência – e as indústrias, movidas pelo capitalismo, em busca do lucro desenfreado, o que acarretou no enfraquecimento de uma das partes da relação. Diz Vecchi (2009, p. 32) que

embora o trabalho na indústria crescente necessitasse de um grande contingente de trabalhadores, jamais era capaz de absorver o número de camponeses e desocupados que fugiam da fome nos campos e que vagavam pelas cidades, além do fato de que as próprias máquinas causavam desemprego. Dentro das fábricas os trabalhadores eram comandados segundo uma rígida disciplina de produção, com condições de trabalho deploráveis, jornadas de trabalho extenuantes e salários ínfimos.

Embora, como já dito, reinava a idéia teleológica do acordo entre as partes, o que ocorria de fato era a imposição de normas pelo patrão, conforme depreende-se do observado por Mario de La Cueva (1973 apud NASCIMENTO, 2008, p. 15), porquanto “era a ‘lei da oferta e procura’ que regulava a situação, pois o trabalho não passava de mera mercadoria” (VECCHI, 2009, p. 34).
As condições de labor eram extremamente indignas, das mais diversas formas, e praticadas de maneiras diferentes, de acordo com o sexo e idade.
Comum era a imposição de jornadas de labor excessivas, baixos salários, condições de trabalho subumanas, bem como, comum era a insegurança quanto ao futuro do trabalhador, principalmente em casos de adoecimento. Relata Amauri Mascaro Nascimento (2008, p. 15) que

a imposição de condições de trabalho pelo empregador, a exigência de excessivas jornadas de trabalho, a exploração de mulheres e menores, que constituíam mão-de-obra mais barata, os acidentes ocorridos com os trabalhadores no desempenho de suas atividades e a insegurança quanto ao futuro e aos momentos nos quais fisicamente não tivessem condições de trabalhar foram constantes da nova era no proletário, às quais podem-se acrescentar também os baixos salários.

A situação era agravada quando se tratava de mulheres e crianças – uma mão-de-obra considerada mais barata. Laboravam igualmente em regime de jornada excessiva, com más condições sanitárias e cobrança excessiva, não sendo incomum a ocorrência de acidentes de trabalho. Em determinadas localidades, como na Inglaterra, eram oferecidos aos menores tão somente a alimentação em contraprestação ao labor, conforme descreve Amauri Mascaro Nascimento (2008, p. 16). O labor iniciava, em muitas vezes, aos quatro anos de idade.
Pertinente se faz a observação de Camino (2004, p. 31) sobre o momento histórico em questão:
no falso pressuposto da igualdade entre homens e conseqüente liberdade para contratar, os trabalhadores foram explorados à exaustão e submetidos a condição alvitante. A desigualdade econômica, ignorada pelo Estado absenteísta, inspirada nos princípios do laisser faire, laisser passer, do ‘que é contratual é justo’, gerou situação de miséria sem precedentes para a classe operária que, explorada e faminta, iniciou movimento ascendente de grandes proporções, impulsionada pelo sentimento de solidariedade que é próprio dos oprimidos.

Desenvolvendo uma consciência a respeito das péssimas condições a que estavam submetidos, construiu-se a “consciência de classe”, momento em que uniram-se sindicatos – embora legalmente proibidos – e passaram a pressionar por mudanças, por meio da greve, seu mais poderoso instrumento (VECCHI, 2009).
Resultado, “com o acirramento da tensão e com o medo do crescimento das ideias socialistas, comunistas e anarquistas, os Estados passaram a restringir os princípios liberais no âmbito das relações de trabalho” (VECCHI, 2009, p. 36).
Tímida e esparsamente começaram a surgir legislações protetivas ao trabalhador, restringindo imposições atentatórias por parte dos empregadores, vindo, anos depois, em 1917, a serem inseridos, pela primeira vez na história, direitos sociais em uma constituição, na Mexicana (CAMINO, 2009).
Delgado (2014, p. 96), por sua vez, atribui ao ano de 1919 o momento principado histórico do direito do trabalho, com “a Constituição de Weimar e a criação da OIT (a Constituição Mexicana de 1917 lança o brilho do processo nos países periféricos ao capitalismo central)”.
No entanto, foi só com o aprofundamento do processo de constitucionalização do direito do trabalho nas décadas subseqüentes à Segunda Guerra Mundial que o direito juslaboral atingiu seu clímax, porquanto a partir de então passou-se à uma valorização do trabalho e do ser que labora empregaticiamente, com a fixação de princípios protetivos, aptos a tutelar efetivamente pela dignidade e justiça social em prol do empregado (DELGADO, 2003).
Denota-se pelo exposto a importância real do direito do trabalho em face da evolução histórica, ao passo que, inexistente tal ramo, hoje estariam desamparados os trabalhadores, a mercê de um sistema que valoriza mais o ter do que o ser, sendo tal área um mecanismo idealizado pela sociedade para a correção de injustiças, que atrelado aos direitos fundamentais e princípios protetores da existência digna do ser trata de garantir uma valorização humana sem deixar ao desamparo aquele que é acometido por desigualdades e injustiças.



3 A TUTELA PELA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ORDENAMENTO PÁTRIO

O ordenamento pátrio, prevê na Constituição Federal já em seu artigo 1º:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III – a dignidade da pessoa humana;
(...)

Nota-se, portanto, o coroamento da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos basilares do ordenamento pátrio adotado pelo Estado Democrático.
A doutrina constitucionalista reconhece-o, assim, como um princípio basilar, destacando sua importância, visto que erege-se como “o pilar ético-jurídico-político da própria compreensão da Constituição” (BRANCO; GILMAR, 2011, p. 153) e confere a ele também a atribuição de que “concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas” (MORAES, 2011, p. 24), sendo lembrado por Plínio (2006, p. 197) como o princípio em que “reside a célula-mater dos direitos fundamentais”.
Sarlet (2007) afirma que a dignidade está no topo da hierarquia dos princípios constitucionais e que, por esta razão, constitui o valor guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem jurídica, seja ela constitucional ou infraconstitucional.
Ribas (2007, < http://www.ambito-juridico.com.br>) entende que

o princípio da dignidade da pessoa humana caracteriza-se como um superprincípio, uma norma destinada a orientar a interpretação dos demais. Logo, pelos motivos já explanados, chega-se à conclusão de que o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser utilizado como critério interpretativo do direito à vida, bem como dos demais direitos, concebendo-se a existência de um direito à vida digna.

Para Carvalho (2007, p. 593) o princípio da dignidade da pessoa humana é o motivador da existência de direitos fundamentais, referindo que estes devem ser lidos à ótica daquele:

a dignidade da pessoa humana é o fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, no sentido de que estes constituem exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa e que com base nesta é que devem aqueles ser interpretados.

Mais do que um princípio interpretativo, se trata de um princípio gerador de direitos fundamentais, no que acerta em cheio Lobato (2006, p. 55), ao dizer que “não é por outro motivo que os direitos sociais foram constitucionalizados como forma de preservar a dignidade humana”. Foram constitucionalizados os direitos fundamentais como forma de garantir a efetiva asseguração da dignidade da pessoa humana.
Assim, se trata o princípio da dignidade humana do cerne principal do interesse de nossa sociedade, efetivando-se por meio dos direitos fundamentais, que, por sua vez, guardam relação tênue com os direitos da personalidade.
Isso porque, conforme ressalta Bittar (2003, p. 23), os direitos fundamentais e os direitos da personalidade caminham juntos na defesa intransigente da dignidade da pessoa humana:

(...)se falamos de relações de Direito Público, com vistas à proteção da pessoa em face do Estado, denominamos esses direitos essenciais de direitos fundamentais. Se tratamos de relações de Direito Privado, com vistas à proteção da pessoa em face de outros indivíduos, então chamamos esses direitos essenciais de direitos da personalidade. Assim, a tutela constitucional oferecida principalmente pelo art. 5.º da Lei Maior compreende os direitos fundamentais e os direitos da personalidade, alcançando as relações de direito público e de direito privado.

A respeito do que vem a ser os direitos da personalidade, diz Reale (2004, < http://www.miguelreale.com.br>):

poderíamos dizer, em suma, que são direitos da personalidade os a ela inerentes, como um atributo essencial  à sua constituição, como, por exemplo, o direito de ser livre, de ter livre iniciativa, na forma da lei, isto é, de conformidade com o estabelecido para todos os indivíduos que compõem a comunidade.

Depreende-se que os direitos da personalidade estão intimamente ligados a ela, sendo, da leitura atrelada ao princípio da dignidade da pessoa humana perceptível que buscam a concretude das realizações do indivíduo como ser humano, e que, na imagem de Gomes (2001, p. 48), “são direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana”.
Os direitos da personalidade, para Boucinhas (2013), têm por finalidade assegurar os elementos constitutivos da personalidade do indivíduo, tutelando pelos aspectos da integridade física, psíquica, moral e intelectual da pessoa humana, porquanto garantidores da dignidade da pessoa humana. Ressalta que jamais desaparecem no tempo e nunca se separam de seu titular.
Soares (2009), por sua vez, entende que de tais direitos tem-se que é assegurado ao indivíduo a exteriorização de toda a sua potencialidade da personalidade da pessoa, buscando atingir a felicidade, a realização e a busca da razão de ser da existência, por meio de seu bem-estar e da qualidade de vida.
Boucinhas (2013, p. 33) elenca como direitos da personalidade: “direito à integridade física e à psíquica, direito à integridade intelectual, bem como o direito à integração social”.
Assim, tutelando o ordenamento pátrio pela dignidade da pessoa humana como pilar base da sociedade, conferindo ao indivíduo à proteção a sua ascensão pessoal, à busca pela felicidade, pelo complexo de realizações, de modo a ter uma vida plena e digna, legitimado encontra-se o dano existencial aqui neste ordenamento, porquanto se trata de uma maneira de ter reparado o dano a um bem constitucionalmente assegurado.
No entanto, assim como para a configuração do dever de ser reparado em caso de prejuízo de ordem material existem requisitos a serem observados, com o dano existencial não é diferente. Destarte, limita-se o capítulo subseqüente a uma análise do que vem a ser o instituto da responsabilidade civil.




4  A RESPONSABILIDADE CIVIL

O homem, ao longo de sua existência batalha e constrói seu patrimônio econômico e, também, imaterial, com o intuito de atingir a felicidade. No entanto, o conflito de interesses e de relações que adquire no decorrer de sua vida impõe o encontro com intempéries e obstáculos aos seus objetivos.
Destarte, as lesões aos bens ideais por ele adquiridos implicam no dever de reparação, ao passo que a prática de atitude contrária ao direito, aos regramentos e as normas de convívio interpessoais geram o dever de indenização respectiva, logicamente.
A reparação é da natureza humana, porquanto qualquer mal injusto perpetrado contra o indivíduo, grupo familiar ou social acarreta em uma reação por parte do ofendido a fim de corrigir o mal praticado. Por exemplo, o homem primitivo o fazia através da violência, sociedades organizadas, por sua vez, através de suas regras de convivência – a exemplo da Lei de Talião.
Atualmente, o ordenamento pátrio trata de garantir ao indivíduo que seus bens – os de cunho material ou imaterial – estejam resguardados e tutelados, impondo àquele que venha a desrespeitá-los, o respectivo e mais justo possível dever de reparação.
A reparação na atual conjuntura legal está expressa no reconhecimento do dever de responsabilizar, sendo a forma de obrigação do agente causador do dano a reparar àquele que teve um bem lesado. O legislador constitucional de 1988 preocupou-se com a reparação pelos danos ocasionados ao indivíduo, conforme preceitua o inciso V do artigo 5º da Carta Magna, que prevê que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.”
O dever de reparação decorre da responsabilização civil. Assim, ao constatar-se o dano ao patrimônio de outrem – seja ele material ou imaterial – está surgindo a obrigação de reparar tais prejuízos, conforme conceitua Diniz (2002, p. 68):
a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

Portanto, que a responsabilidade civil advém da existência de um dano ocasionado por terceiro que, por meio de seu patrimônio, reparará aquele que teve um bem lesado.
No que tange à obrigação descumprida, pode ser ela decorrente do pactuado entre as partes envolvidas, bem como pode ser decorrente de dispositivos impositivos legais. Sobre o assunto, Oliveira (2005, p. 76) diz que

o fato gerador do direito à reparação do dano pode ser a violação de um ajuste contratual das partes ou de qualquer dispositivo legal do ordenamento jurídico, incluindo-se o descumprimento do dever geral de cautela. Quando ocorre a primeira hipótese, dizemos que a responsabilidade é de natureza contratual; na segunda, denominamos responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

Assim, ao ferir preceito constitucional, por exemplo, ocorre a hipótese de responsabilidade extracontratual, porquanto decorrente de uma norma não convencionada entre as partes, mas garantida pelo ordenamento jurídico vigente.
O instituto da reparação dos danos prevê uma série de requisitos a serem observados e estudados para a aferição do cabimento correto da restituição do ofendido pelo bem que lhe foi lesado, porquanto o instituto evoluiu gradativamente no tempo, até se transmutar e assumir as formas atualmente tidas em nosso ordenamento jurídico.
A respeito dos elementos ensejadores do direto à reparação, diz Oliveira (2005, p. 133) que “na teoria clássica da responsabilidade civil, para o nascimento do direito à indenização alguns pressupostos são imprescindíveis: o ato ilícito, o dano, o nexo causal e a culpa do causador”.
Cavalieri Filho (2012), ao tratar do assunto, aborda de maneira rebuscada os elementos ensejadores da responsabilidade civil, não divergindo dos demais autores, ao passo que reconhece o cometimento de ato ilícito – ao referir uma violação de dever jurídico mediante conduta voluntária –, o dano e o nexo, e o dolo ou culpa, conforme se denota:

há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. (CAVALIERI FILHO, p. 19)

Por sua vez, Stoco (2011, p. 176), converge ao entendimento já aqui esposado, no entanto, determina serem necessários três elementos aptos a ensejar a responsabilidade civil. A supressão de um dos elementos – em contraposição aos demais doutrinadores – decorre do fato de que aglomerou a necessidade do cometimento de um ato ilícito a uma conduta culposa:

(...) a saber que na etiologia da responsabilidade civil, estão presentes três elementos, ditos essenciais na doutrina subjetivista: a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta, um dano e o nexo de causalidade entre uma e outra.

Para uma boa compreensão do tema, se faz necessária uma análise mais aprimorada do que vem a ser cada elemento caracterizador da responsabilidade civil, qual seu conceito e sua importância para o entendimento do instituto em tela.

4.1 O dano

No sentido gramatical, a palavra dano deriva do latim ‘damnum’ e encerra três significados diferentes: 1) Mal ou ofensa pessoal; prejuízo moral; 2) Prejuízo material causado a alguém pela deterioração ou inutilização de bens seus; 3) Estrago, deteriorização, danificação. Já, sob o ponto de vista jurídico, dano é, usualmente, tomado no sentido do efeito que produz: é o prejuízo causado, em virtude de ato de outrem, que vem a causar diminuição patrimonial.
É extremamente necessária a correta compreensão do que vem a ser o dano no campo do direito, porquanto se trata de elemento absolutamente indispensável à configuração da responsabilidade civil, ao passo que, sendo esta a obrigação de ressarcir, não há como concretizar-se sem ter o que reparar.
Nas palavras de Oliveira (2005, p. 108), “no âmbito da responsabilidade civil, a constatação de que a vítima tenha sofrido algum tipo de dano é o primeiro pressuposto para o cabimento da indenização”.
Para Venosa (2012, p. 37),

na noção de dano está sempre presente a noção de prejuízo. Nem sempre a transgressão de uma norma ocasiona dano. Somente haverá possibilidade de indenização, como regra, se o ato ilícito ocasionar dano. Cuida-se, portanto, do dano injusto, aplicação do princípio pelo qual a ninguém é dado prejudicar outrem (neminemlaedere).

Para Enneccerus (1898, apud OLIVEIRA, 2005, p. 108), “dano é toda desvantagem que experimentamos em nossos bens jurídicos como o patrimônio, corpo, vida, saúde, honra, crédito, bem-estar, capacidade de aquisição etc”.
Oliveira (2005, p. 108) diz que “o conceito de dano abrange qualquer lesão a um bem tutelado pelo Direito, que tanto pode ser patrimonial, moral ou estético”.
Cavalieri Filho (2012, p. 77), em entendimento bastante atual e complexo do que vem a ser o dano, doutrina que,

conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.

O mesmo autor (2012, p. 77) ressalta a importância de conceituação e definição do dano, posto que,

o dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. A obrigação de indenizar só ocorre quando alguém pratica ato ilícito e causa dano a outrem. O dano encontra-se no centro da regra de responsabilidade civil. O dever de reparar pressupõe o dano e sem ele não há indenização devida.

A importância da configuração e definição do dano é corroborada por Venosa (2012, p. 37), que destaca que “sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização.”
Conceituado o que vem a ser dano, denota-se daí a sua importância para a reparação, ao passo que esta tem por finalidade a reparação daquele, repondo o patrimônio do ofendido ao status quo ante, de maneira que não sofra diminuições causadas por terceiro.

4.2 A culpa

Seguindo o entendimento de Stoco (2011, p. 176) de que há três elementos caracterizadores da responsabilidade civil, dentre elas “a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta”, aglomerando o que outros autores dividiam entre conduta do agente e culpa na ocorrência do dano, cabe neste item analisar de forma combinada ambos, porquanto, não há culpa sem uma conduta omissiva ou comissiva preexistente, estando, assim, ligadas.
Parcela da doutrina, ao elencar os elementos constituidores da responsabilidade refere necessária a demonstração da culpa ou do dolo, a exemplo de Cavalieri Filho e Bertagni.
No entanto, por se tratar a responsabilidade civil de instituto indenizador, que visa à reparação do sujeito lesado e não tem por finalidade precípua a penalização do infrator – cabendo esta ao direito penal, havendo a responsabilização específica – desnecessária se faz uma distinção com afinco do que vem a representar cada uma, posto que importa, de fato, apenas a configuração da culpa, conforme adota a doutrina e denota-se do texto legal.
Feitas tais considerações, cabe conceituar a culpa, que se trata da realização de determinado ato quando não deveria fazer ou quando não o faz e deveria ter feito algo, conforme diz Stoco (2011, p. 158):

em linhas gerais, a culpa, em sentido amplo, manifesta-se no instante em que a pessoa age quando não deveria agir; ou não age – omitindo-se – em circunstância na qual seria necessário e exigível um facere para evitar o dano.

Nos dizeres de Cavalieri Filho (2012, p. 33), “culpa é a violação de dever objetivo de cuidado, que o agente podia conhecer e observar, ou, como querem outros, a omissão de diligência exigível”.
Explica Pamplona Filho (2005) que a culpa decorre da inobservância de um dever de conduta, que é imposto pela ordem vigente com o intuito de manter a paz social.
Para Oliveira (2005) o elemento essencial da culpa reside no agir frente à determinada situação de uma maneira, quando podia ter agido de outro modo, sendo tal conduta reprovável ou censurável, como se depreende:

agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente censurado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo.

A ponderação de Cavalieri Filho é bastante válida, decorrendo da idéia de que a vida em sociedade requer o mínimo de zelo apto a não ensejar danos aos seus semelhantes, ainda que não haja norma positivada vetando cada conduta:

vivendo em sociedade, o homem tem que pautar a sua conduta de modo a não causar dano a ninguém. Ao praticar os atos da vida, mesmo que lícitos, deve observar a cautela necessária para que de seu atuar não resulte lesão a bens jurídicos alheios. (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 33)

No que atine à culpa quando praticada no âmbito empresarial determinada conduta, que não propriamente pelo empregador, tem-se que pode advir a conduta de outrem – preposto, por exemplo – guardando relação de culpa ainda com o empregador, visto que se tem como um dever o zelo perante seus empregados, sendo relativa tal presunção, conforme traz Bertagni (2012, p. 222)

o art. 932, III do CC dispõe que empregador ou comitente responde pelos atos dos empregados, serviçais ou prepostos, praticado no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. No meio ambiente de trabalho é quase regra que o ato ilícito seja praticado por terceiros. Essa responsabilidade decorre da subordinação hierárquica do empregado e seviçal em relação ao patrão, e do direito de o comitente dar ordens, instruções ao preposto. Estes, pois, exercem suas funções sem independência. Ao lado desse vínculo de subordinação, mister que a atividade exercida pelos subordinados reverta em proveito do empregador e do comitente.

Ainda sobre a culpa no âmbito da empresa, explica Oliveira (2005) que o substrato que atribui a culpa ao patrão em caso de ato praticado por outrem reside no descuido do superior hierárquico em seguir normas de zelo e cuidados frente a seus subordinados.
Analisado tal elemento, necessária se faz a análise do nexo causal, visto que entre a conduta culposa e o dano deve haver nexo, necessariamente, para configurar-se a responsabilidade civil.

4.3 O nexo causal

Encerrando os elementos ensejadores da responsabilidade civil, cabe, por fim, conceituar e analisar o nexo causal, deveras importante para o instituto, porquanto, não caberá responsabilizar aquele que não incorreu para a efetivação do dano, porquanto
a exigência do nexo causal como requisito para obter a eventual indenização encontra-se expressa no art. 186 do Código Civil quando menciona ‘aquele que ... causar dano a outrem’. Com efeito, pode até ocorrer a indenização sem que haja culpa, como previsto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, mas é incabível o ressarcimento quando não ficar comprovado o nexo que liga o dano ao seu causador. (OLIVEIRA, p. 133)

De acordo com Oliveira (2005, p. 133), “a necessidade de estabelecer o liame causal como requisito da indenização funda-se na conclusão lógica de que ninguém deve responder por dano a que não tenha dado causa”.
Sampaio (2000) diz ser imprescindível a existência da relação de causa e efeito entra a conduta praticada por determinado sujeito e o dano suportado pela vítima, porquanto ninguém pode ser responsabilizado por dano que sequer deu causa, o que se extrai do texto legal.
No que tange ao conceito de nexo causal, Venosa (2012) – adotando também os termos nexo etiológico ou relação de causalidade – afirma que decorre das leis naturais, o que é pactuado por Cavalieri Filho (2010, p. 49) que diz:

o conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. A relação causal estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não a causa do dano.

O nexo causal se trata de uma demonstração inequívoca de que o dano gerado à vítima decorreu da ação, positiva ou negativa, do agente (SAMPAIO, 2000), porquanto “se o dano ocorrer por culpa exclusiva da vítima, também não aflora o dever de indenizar” (VENOSA, 2012, p. 53).
Portanto, não há como dissociar a responsabilidade civil dos elementos ensejadores, principalmente do nexo causal, ao passo que ninguém deve ser condenado a ressarcir outrem por dano ao qual não deu causa. Deve o julgador estar atento às peculiaridades do caso concreto para analisar difícil elemento, com o intuito sempre de deferir a indenização nos casos em que de fato saiba tenho o agente ocorrido.
Feita a análise da responsabilidade civil e de seus elementos ensejadores, pertinente se faz a análise da responsabilização em face do dano existencial.








5 A REPARAÇÃO PELO DANO EXISTENCIAL

No presente capítulo, serão abordados o dano existencial em si, e a discussão acerca da sua confusão com dano moral ou não.


Em um momento em que legislador e sociedade buscam a tutela pela dignidade da pessoa humana – conferindo ao indivíduo direitos fundamentais, com a finalidade de resguardar uma vivência digna –, mas em um cenário em que as relações pessoais estão sob grande pressão, ao passo que cada indivíduo busca a sua felicidade pessoal, desatento ao bem-estar de seu semelhante, necessária se faz uma resposta do aparato jurídico para viabilizar o equilíbrio nas relações.
Especificamente no universo juslaboral, em que “as pressões para se manter competitivo em uma economia que funciona incessantemente remodelam as relações” (NASCIMENTO, 2014, p. 965), sendo impostas diferentes formas de trabalho, quase nunca benéficas ao empregado, gerando “inegáveis danos ao trabalhador, tanto a sua integridade física, moral, quanto à psíquica, impedindo-o, muitas vezes de realizar seu ‘projeto de vida’ (...)” (NASCIMENTO, 2014, p. 965), nasce, timidamente no ordenamento jurídico pátrio o chamado dano existencial.
Sônia Nascimento (2014, p. 966) explica o surgimento do instituto, que “trata-se de uma espécie de dano que, com essa terminologia, teve sua origem no direito italiano, como uma solução doutrinária e jurisprudencial à limitação dos danos extrapatrimoniais”.
Explica que, em face da grande dificuldade de responsabilização civil por danos extrapatrimoniais – decorrente da muito restritiva previsão legal em tal ordenamento, que prevê a responsabilização por danos não patrimoniais apenas em casos previstos em lei – buscou-se uma alternativa ao impasse, de modo que gradativamente passou-se a uma leitura diferenciada do instituto e da Constituição, como ilustra Sônia Nascimento (2014, p. 966):

guinou-se para o seguinte raciocício: a Constituição italiana, ao garantir o direito à saúde como direito fundamental, leva à inteligência lógica de que, se a integridade física de alguém for lesada, o direito constitucional à saúde também estaria sendo ferido. Isso constituiria um dano, nos moldes do supracitado art. 2043, garantindo ao lesado uma indenização independentemente de um crime.

Assim, permitiu-se a indenização pelos chamados danos biológicos. Destarte, tal interpretação evoluiu jurisprudencialmente, permitindo uma valorização da pessoa humana, vindo a ser reconhecido também o dano à pessoa, sendo criada pela doutrina italiana a expressão danno esistenziale, consistente em que

(...) qualquer prejuízo que o ilícito (...) provoca sobre atividades não econômicas do sujeito, alterando seus hábitos de vida e sua maneira de viver socialmente, perturbando sua rotina diária e privando-o da possibilidade de exprimir e realizar sua personalidade no mundo externo. (...) O dano existencial funda-se sobre a natureza não meramente emotiva e interiorizada (própria do dano moral), mas objetivamente constatável do dano, através da prova de escolhas de vida diversas daquelas que seriam feitas, caso não tivesse ocorrido o evento danoso. (FACCHINI NETO, 2008, apud NASCIMENTO, 2014,  p. 967)

O instituto ganhou força, principalmente após a percepção de que o dano moral e o dano psíquico não abrangiam todos os danos capazes de atingir a pessoa, ficando desamparada a tutela do ser humano, em si, como observa Guedes (2008, p. 128), ao afirmar que “o dano existencial nasce para tutelar lesão a um direito fundamental da pessoa humana, compreendendo aquelas situações a descoberto do dano biológico e do dano moral”.
No que tange à conceituação do que vem a ser o dano existencial, Guedes (2008, p. 128) tem que é “o conjunto de repercussões de tipo relacional marcando negativamente a existência mesma do sujeito que é obrigado a renunciar às específicas relações do próprio ser e da própria personalidade”.
Tal marca negativa se mostra saliente, de acordo com Macarrone (2001, apud Almeida Neto, < www.mp.sp.gov.br >):

o dano moral é essencialmente um ‘sentir’; o dano existencial é mais um ‘fazer’ (isto é um ‘não mais poder fazer’, um ‘dever agir de outro modo’). O primeiro refere-se quanto à sua natureza ao ‘dentro’ da pessoa, à esfera emotiva; o outro relaciona-se ao ‘exterior’, o tempo e espaço da vítima. No primeiro toma-se em consideração o pranto versado, as angústias; no outro as atenções se voltam para a reviravolta forçada da agenda do indivíduo.

Para Soares (2009), se trata o dano existencial de uma lesão à ordem pessoal ou social que abrange, por sua vez, o complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento da personalidade do indivíduo, tratando-se de uma afetação negativa, podendo ser total ou parcial, permanente ou temporária, atingindo uma atividade ou um conjunto de atividades do cotidiano do ofendido, precisando este modificar a sua rotina e deixar de desfrutar de suas benesses em razão do efeito lesivo ocasionado pelo ato.
Ainda, o dano existencial – ou a perda da graça – pode ser considerada toda lesão que comprometa o direito de escolha do ofendido, frustrando o seu projeto de vida e de realizações como ser humano, gerando, por conseguinte, um vazio existencial na pessoa, que almeja, planeja e sonha com suas realizações, e em decorrência de determinado fato tem-lhe imposto um não fazer em sua vida, tendo de abrir mão de seu destino planejado, como narra brilhantemente Bebber (2009, p. 166):
por dano existencial (também chamado de dano ao projeto de vida ou prejudice d’ágrement – perda da graça, do sentido) compreende-se toda lesão que comprometa a liberdade de escolha e frustra o projeto de vida que a pessoa elaborou para sua realização como ser humano. Diz-se existencial exatamente porque o impacto gerado pelo dano provoca um vazio existencial na pessoa que perde a fonte de gratificação vital. Por projeto de vida entenda-se o destino escolhido pela pessoa; o que decidiu fazer com sua vida. O ser humano, por natureza, busca sempre extrair o máximo das suas potencialidades. Por isso, as pessoas permanentemente projetam o futuro e realizam escolhas no sentido de conduzir sua existência à realização do projeto de vida. O fato injusto que frustra o destino (impede a sua plena realização) e obriga a pessoa a resignar-se com o seu futuro é chamado de dano existencial.

Para Tercioti (2013, p. 55) “o dano existencial é muito pior do que uma lesão física ou psíquica, se caracterizando como uma renúncia de viver”.
Importante ressaltar que para a configuração do dano existencial, como já antes explicitado, desnecessária se faz uma lesão integral ao bem tutelado, sendo reconhecido o instituto ainda que parcialmente impossibilitada a vítima do desfrute de seu projeto de vida, conforme se torna depreensível de Sônia Mascaro Nascimento (2014, p. 967)

consolidou-se a utilização da expressão dano existencial para designar espécie de dano imaterial ou não material que acarreta à vítima, de modo parcial ou total, a impossibilidade de executar, dar prosseguimento ou reconstruir seu projeto de vida (na dimensão familiar, afetivo-sexual, intelectual, artística, científica, desportiva, educacional ou profissional, dentre outras) e a dificuldade de retomar sua vida de relação (de âmbito público ou privado, sobretudo na seara da convivência familiar, profissional ou social).

Depreende-se, diante de tudo já aqui dito, que o cerne do estudo do dano existencial encontra-se na tutela pelo desenvolvimento pessoal do indivíduo através de suas aspirações, vocações, potencialidades e relacionamentos, com o intuito de atingir sua felicidade, de modo a alcançar uma realização pessoal integral e atribuir – e manter – um valor existencial ao seu ser.
Para a concretização de tal ideal existencial, é necessário um conjunto de realizações pessoais possibilitadas a cada indivíduo, decorrentes precipuamente dos direitos fundamentais e da personalidade e do princípio da dignidade humana, ao passo que, conforme já narrado em tópico específico, há garantia constitucional de que a todos é assegurado o direito a uma vida livre, digna e plena, da onde se extrai a legitimação para o reconhecimento de tal instituto, conforme salienta Guedes (2008, p. 129) que,
se entendemos que a Constituição é garantia dos valores fundamentais da pessoa humana, as demais normas de tutela dos ainda chamados direitos da personalidade devem estar em perfeita harmonia com os artigos da Carta fundamental (que tutela referidos direitos), portanto ‘devem ser lidos de modo idealmente idôneo a compensar o sacrifício que os mesmo sofrem por causa de ato ilícito’. Dessa forma, as normas de tutela da responsabilidade civil devem ser interpretadas de modo a abarcar não apenas o dano patrimonial e moral, mas também todos os danos potencialmente capazes de obstaculizar a atividade realizadora da pessoa humana enquanto pessoa mesma. Em conseqüência dessa interpretação, surge o dano existencial, como categoria geral do dano não patrimonial.

Boucinhas (2013, p. 27) atribui o mesmo fator gerador de legitimação à tutela do cerne do dano existencial

nos danos desse gênero o ofendido se vê privado do direito fundamental, constitucionalmente assegurado, de, respeitando o direito alheio, livre dispor de seu tempo fazendo ou deixando de fazer o que bem entender. Em última análise, ele se vê despojado de seu direito alheio à liberdade e à sua dignidade humana.

Não há como dissociar que o reconhecimento dos direitos da personalidade como garantidores do princípio da dignidade humana, a preocupação do constituinte e da sociedade em elevar a existência do ser e a tão almejada felicidade como princípios basilares contemporâneos, atrelados a relativização do primado da autonomia privada como critério para se aferir a ilicitude dos atos nas relações interprivadas e à substituição do dogma da igualdade formal pelo da igualdade real são os legitimadores da invocação do dano existencial e de relacionamento (GUEDES, 2008, p. 130).
Assim, não há que se negar que a intenção do instituto legitimado é a tutela pelo direito individual de uma vida digna, decorrendo daí a garantia de que não será objeto de lesão os elementos ensejadores das atividades realizadoras de tal.
Assim, importante se faz a lição de Almeida Neto (<www.mp.sp.gov.b>) de que
o ser humano tem o direito de programar o transcorrer da sua vida da melhor forma que lhe pareça, sem a interferência nociva de ninguém. Tem a pessoa o direito às suas expectativas, aos seus anseios, aos seus projetos, aos seus ideais, desde os mais singelos até os mais grandiosos: tem o direito a uma infância feliz, a constituir uma família, estudar e adquirir capacitação técnica, obter o seu sustento e o seu lazer, ter saúde física e mental, ler, praticar esporte, divertir-se, conviver com os amigos, praticar sua crença, seu culto, descansar na velhice, enfim, gozar a vida com dignidade.

Atenta a tais direitos (naturais ou positivados) e à natureza tuteladora do instituto em tela, tratou a doutrina de definir que o dano existencial decorre da conduta que impossibilita o indivíduo de se relacionar e conviver em sociedade por meio de atividades de lazer, aptas a lhe fazer alcançar bem-estar físico e psíquico, bem como de iniciar ou manter seus projetos de vida, capazes de propiciar crescimento ou realização pessoal, social ou profissional, porquanto assim se mostra incapaz de atingir sua essência existencial, de modo que não concretizando uma vida digna, tão almejada.
O dano existencial é capaz de afetar diversos setores pessoais do ofendido, como o familiar, o profissional e o cultural, todos aptos a assegurarem a integridade física e psíquica do indivíduo, sendo importantes direitos da personalidade deste. Sobre tal afetação, diz Muçouçah (2014, p. 167):

o dano existencial pode atingir setores distintos: familiar, profissional, cultural, estudantil, esportivo, social, recreativos, biológico etc. Entretanto, para que possa falar de dano existencial, assim como ocorre na responsabilidade civil em geral, é necessário um dano juridicamente relevante, uma conduta (ação ou omissão), o nexo de causalidade entre ambos e o nexo de imputação sobre o responsável.

Assim, estabeleceu-se que “os bens jurídicos atingidos no dano existencial são: ‘projeto de vida’ e a ‘vida de relações’ (...)” (NASCIMENTO, 2014, p. 967). Assim, seguindo o preceito de que “o dano existencial se subdivide no dano ao projeto de vida e no dano à vida de relações” (FROTA, < http://jus.com.br >), cabe conceituar os elementos centro de tal tutela.
No que diz respeito ao projeto de vida – primeiro elemento a ser analisado –, “está relacionado àquilo que determinada pessoa escolheu para fazer com sua vida” (NASCIMENTO, 2014, p. 967), porquanto o ser humano “busca sempre extrair o máximo de suas potencialidades, o que o leva a permanentemente projetar o futuro e realizar escolhas visando à realização do projeto de vida” (BEBBER, 2009, p. 27).
Projeto de vida é a liberdade escolhas de determinado indivíduo que determina a direção de seus esforços em busca de sua autorrealização integral, em determinado espaço-temporal, por meio de metas, objetivos e ideais, conforme descreve Frota (<http://jus.com.br >):

por intermédio do qual o indivíduo se volta à própria autorrealização  integral, ao direcionar sua liberdade de escolha para proporcionar concretude, no contexto espaço-temporal em que se insere, às metas, objetivos e ideias que dão sentido à sua existência.

Caracterizando-se o projeto de vida como a liberdade de escolhas capazes de nortear o indivíduo na busca pela sua realização pessoal, daquilo que escolheu para seu destino a fim de atingir a sua felicidade e clímax pessoal, caracteriza-se o dano ao projeto de vida em uma quebra de tais planejamentos por algum prejuízo de monta. Descreve Frota (<http://jus.com.br >) que o dano ao projeto de vida consiste em
alterações de caráter não pecuniário nas condições de existência, no curso normal da vida da vítima e de sua família. Representa o reconhecimento de que as violações de direitos humanos muitas vezes impedem a vítima de desenvolver suas aspirações e vocações, provocando uma série de frustrações dificilmente superadas com o decorrer do tempo. O dano ao projeto de vida atinge as expectativas de desenvolvimento pessoal, profissional e familiar da vítima, incidindo sobre suas liberdade de escolher o seu próprio destino. Constitui, portanto, uma ameaça ao sentido que a pessoa atribui à existência, ao sentido espiritual da vida.

O dano ao projeto de vida, como bem destacado, pode atingir negativamente o planejamento do indivíduo não só em suas realizações vistas individualmente, podendo ser uma lesão ao meio em que está inserido, porquanto fere seu desenvolvimento e expectativas pessoal, profissional e familiar. A jurisprudência, ainda que tímida tem demonstrado tal peculiaridade, conforme se nota do julgado que reconheceu o dano existencial frente ao rompimento do projeto de vida familiar:

DANO EXISTENCIAL. As condições em que era exercido o trabalho da reclamante no empreendimento réu apontam a ocorrência de dano existencial, pois sua árdua rotina de trabalho restringia as atividades que compõem a vida privada lhe causando efetivamente um  prejuízo  que comprometeu a realização de um projeto de vida. No caso, a repercussão nociva do trabalho na reclamada na existência da autora é evidenciada com o término de seu casamento enquanto vigente o contrato laboral, rompimento que se entende provado nos autos teve origem nas exigências da vida profissional da autora. (Acordao do processo 0001533-23.2012.5.04.0006 (RO) Data: 10/07/2014 Origem: 6ª Vara do Trabalho de Porto Alegre Órgão julgador: 4A. TURMA Redator: André Reverbel Fernandes Participam: Marcelo Gonçalves De Oliveira, George Achutti)

Em uma caracterização do que vem a ser, efetivamente, o dano ao projeto de vida, Bebber (2009, p. 28), diz que “qualquer fato injusto que frustre esse destino, impedindo a sua plena realização e obrigando a pessoa a resignar-se com o seu futuro, deve ser considerado um dano existencial”.
Almeida Neto (www.mp.sp.gov.b) destaca que

o dano existencial, em suma, causa uma frustração no projeto de vida do ser humano, colocando-o em uma situação de manifesta inferioridade – no aspecto de felicidade e bem estar – comparada àquela antes de sofrer o dano, sem necessariamente importar em um prejuízo econômico. Mais do que isso, ofende diretamente a dignidade da pessoa, dela retirando, anulando, uma aspiração legítima (...)

Assim, depreende-se que o dano ao projeto de vida prescinde de um prejuízo econômico, visto que está ligado diretamente às realizações pessoas do ofendido, caracterizando-se com uma privação total ou parcial, definitiva ou temporária daquelas escolhas e metas que traçou para a sua vida pessoal, familiar ou profissional. Cabe, por conseguinte, definir o que vem a ser a vida de relações e quando ocorre a sua lesão.
O segundo elemento cerne do dano existencial – a vida de relações – é entendido como o conjunto de relações interpessoais mantidos pelo indivíduo, seja no âmbito puramente social, familiar ou profissional, apto a lhe trazer prazer e conforto, valores ínsitos ao sentimento humano, conforme descreve Frota (<http://jus.com.br >):

diz respeito ao conjunto de relações interpessoais, nos mais diversos ambientes e contextos, que permite ao ser humano estabelecer a sua história vivencial e se desenvolver de forma ampla e saudável, ao comungar com seus pares a experiência humana, compartilhando pensamentos, sentimentos, emoções, hábitos, reflexões, aspirações, atividades e afinidades, e crescendo, por meio do contato contínuo (processo de diálogo e de dialética) em torno da diversidade de ideologias, opiniões, mentalidades, comportamentos, culturas e valores ínsita à humanidade.

Para Sônia Nascimento (2014, p. 968), a vida relações nada mais é do que

o conjunto de relações interpessoais do qual o indivíduo faz parte, nas quais estabelece vínculos familiares, divide interesses com seus pares, compartilha pensamentos, sentimentos, emoções, hábitos, aspirações, afinidades, proporcionando seu desenvolvimento contínuo de forma ampla e saudável.

O homem é um ser social, surgindo daí a sua necessidade de se relacionar em sociedade e de praticar atividade que lhe propiciem o bem-estar físico e psíquico, permitindo, assim, que suporte as pressões externas do dia a dia, de modo a seguir exercendo sua profissão e aumento suas chances de ascensão pessoal, como bem observa Almeida Neto (<www.mp.sp.gov.b>):

o homem necessita de se relacionar em sociedade, de praticar atividades recreativas para suportar as pressões externas do cotidiano. São essas atividades que propiciam o bem estar físico e psíquico da pessoa, favorecendo a sua capacidade não somente de continuar exercendo seu trabalho, sua profissão, como aumentando suas chances de crescer, de ascender melhores postos e, com isso, aumentar seus rendimentos.

Ademais, é importante assegurar ao indivíduo a vida de relacionamentos, porquanto é por meio dela que procede na “efetiva utilização de todas as suas potencialidades somente seria possível, com o desfrute de todas as esferas de sua vida, a saber: cultural, afetiva, social, esportiva, recreativa, profissional, artística, entre outras” (BOUCINHAS, 2013, p. 33).
Quanto à caracterização do que vem a ser o dano a tal tutela, para Frota (2010, p. 26), resta representado com a privação do indivíduo nos exatos termos da expressão, ao passo que a conduta aplicada gere uma alteração substancial capaz de impedir o convívio e relacionamento, seja ele temporário ou permanente:

alteração substancial nas relações familiares, sociais, culturais, afetivas, etc. Abrange todo acontecimento que incide, negativamente, sobre o complexo de afazeres da pessoa, sendo suscetível de repercutir-se, de maneira consistente — temporária ou permanentemente — sobre a sua existência.

No entanto, para Almeida Neto (<www.mp.sp.gov.b>), mostra-se ocorrente quando se sucede de determinada conduta vir a privar o indivíduo dos prazeres propiciados pelas atividades recreativas e extralaborais, consequentemente acarretando uma privação a seu desfrute pleno de suas faculdades capazes de gerar bem-estar, como narra:

o dano resta caracterizado, na sua essência, por ofensas físicas ou psíquicas que impeçam alguém de desfrutar total ou parcialmente, dos prazeres propiciados pelas diversas formas de atividades recreativas e extralaborativas tais quais a prática de esportes, o turismo, a pesca, o mergulho, o cinema, o teatro, as agremiações recreativas, entre tantas outras. Essa vedação interfere decisivamente no estado de ânimo do trabalhador, atingindo, consequentemente, o seu relacionamento social e profissional. Reduz, com isso suas chances de adaptação ou ascensão no trabalho, o que reflete negativamente no seu desenvolvimento patrimonial (ALMEIDA NETO, <www.mp.sp.gov.b>).

Nesse sentido, aquele que ferir direito fundamental amparado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, de modo a frustrar o projeto de vida de alguém e/ou atingindo a sua vida de relações, de modo a privá-la ou restringi-la, está ocasionando, assim, dano de ordem existencial a outrem, incorrendo no dever de reparo.
Nas relações de trabalho não é incomum a ocorrência do dano existencial, tendo em vista a submissão hierárquica do trabalhador fronte ao seu empregador, que, em decorrência das pressões competitivas impostas pelo mercado capitalista, passa a deixar de lado a preocupação com o ser humano, transformando-o meramente em mão-de-obra.
A jornada excessiva tem sido um dos grandes ensejadores da espécie de dano, ao passo que o labor habitualmente extraordinário passa, inegavelmente, a coibir o trabalhador de desfrutar de sua vida de relações, pondo de lado amigos, família e sonhos, dedicando sua vida quase que exclusivamente ao labor. Nascimento (2014, p. 969) faz transparecer preocupação, ao afirmar que

além da comprovação estatística, o excesso de jornada que acomete os trabalhadores também é observado no dia a dia da vida laboral e no cotidiano do foro, já que são freqüentes as ações trabalhistas que reclamam descansos não fruídos.

Em suma, a ocorrência no âmbito das relações laborais ocorre quando o empregador desrespeita algum preceito constitucional ou infraconstitucional que vise tutelar pela personalidade, higiene e saúde – física e mental – do trabalhador, de modo a acarretar frustração ao projeto de vida ou à vida de relações.
Dentre as práticas comumente observadas e bastante debatidas sobre o tema – além do desrespeito ao descanso – estão “a submissão do trabalhador a condições análogas a de escravo; assédio moral; acidentes e doenças ocupacionais, dentre outros” (NASCIMENTO, 2014, p. 969).
Cabe frisar a ressalva da autora (2014, p. 970) de que

as situações descritas acima não são as únicas a ensejarem a verificação do dano existencial no Direito do Trabalho. Tais situações, claramente, não são estanques. Portanto, havendo ato ilícito (i), demonstração de prejuízo ao projeto de vida e à vida de relações do indivíduo (ii) e comprovação do nexo de causalidade entre ato (i) e prejuízo (ii), será configurado o dano existencial e, consequentemente, à responsabilização do agressor, no caso, o empregador.

Depreende-se, assim, por tudo aqui já narrado, que o desrespeito à imposição legal que busca tutelar por condições mínimas ao trabalhador – férias anuais, limite diário e semanal de jornada, dever de fornecimento de EPI`s adequados, dentre outros – caracteriza-se como o ato ilícito praticado pelo empregador, a ação ou omissão da qual não deveria se descuidar, enquanto o prejuízo ao projeto de vida ou a vida de relações, representa o dano, devendo haver um nexo entre estes para que haja o dever de reparar.
Atentos às características peculiares do dano existencial, e não deixando de lado as premissas clássicas da responsabilidade civil e do ônus da prova, os tribunais vêm timidamente enfrentando a matéria, que passa, gradativamente a ganhar espaço no âmbito forense pátrio.
Emblemático caso advindo do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região acabou por condenar rede de supermercados a indenizar empregada que laborava habitualmente em jornada excessiva – cerca de doze ou treze horas diárias – e demonstrou, cabalmente, que sofreu prejuízo de convívio com amigos e familiares, bem como, teve sua saúde física e mental afetadas, ao passo que sofreu patologias no aparelho muso-esquelético e sofreu de depressão (NASCIMENTO, 2014, p. 970). Segue a ementa de lavra do Desembargador Federal do Trabalho, José Felipe Ledur:
DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA. EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. O dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do trabalho que integram decisão jurídico-objetiva adotada pela Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, nele integrado o direito ao desenvolvimento profissional, o que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso provido.

No caso, restaram demonstrados o desrespeito a preceito constitucional/legal – jornada máxima permitida – e o prejuízo daí advindo, ao passo que o labor excessivo se mostrou o gerador da perda do convívio familiar e de amigos.
Em outro caso, uma economista que laborou por cerca de nove anos sem ter sua CTPS sido assinada e sem nunca ter fruído férias, restando provado nos autos do processo que, em decorrência da privação, foi tolhido seu direito de desenvolvimento de uma vida de relações (NASCIMENTO, 2014, p. 970). O caso seguiu até o Tribunal Superior do Trabalho, onde foi determinada a indenização à autora pelos prejuízos sofridos:

DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS. DURANTE TODO O PERÍODO LABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. Carta Magna. (Recurso de revista conhecido e provido, no tema.) (Processo: RR - 727-76.2011.5.24.0002 Data de Julgamento: 19/06/2013, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/06/2013)

Cabe apenas destacar que em ambos os casos foram desrespeitadas normas atinentes à saúde e higiene do trabalhador, de modo que o excesso de horas extras e a não concessão de férias anuais representam ato atentatório ao descanso do obreiro, atingindo, assim não somente o direito material a tais benesses, em si, mas também a obtenção de uma satisfação pessoal, como diz Amauri Mascaro Nascimento (2014, p. 793):

o meio de combater ou evitar a fadiga é o lazer, entendido não como inatividade; ao contrário, é ocupação útil, agradável e não imposta. É durante o seu tempo livre que o trabalhador pode se dedicar voluntariamente a atividades que lhe agradam, seja para descansar, para divertir-se, desenvolver sua capacidade criadora, suprir sua necessidade de convívio social, etc.

Não são só os desrespeitos às normas de saúde e higiene do trabalhador ou ao descanso desse que são capazes de gerar o dano existencial. Basta que a ação ou omissão – quando é um dever do empregador – não seja observada, e de tal desrespeito advenha um dano, caso do trabalhador vítima de acidente ou doença de trabalho, como afirma Sônia Nascimento (2014, p. 969):

o trabalhador vítima de acidentes ou doenças ocupacionais, tais como LER/DOR também podem ter tido seu projeto de vida afetado, pois as lesões do sistema músculo-esquelético prejudicam não somente a atividade laboral, mas também as tarefas do dia a dia e momentos de lazer, tais como a higienização pessoal, a execução de instrumentos musicais, podendo ensejar a configuração do dano existencial.

Enfatiza-se que o deferimento não prescinde dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, ao passo que o seu deferimento de maneira cega, à vista apenas da ótica do reconhecimento da hipossuficiência do empregado acabaria por banalizar o instituto e tornar-se-ia o direito do trabalho um cometedor de injustiças, ao invés de um mecanismo de harmonização e equilíbrio de relações. Não se afastando de tais premissas, tem a jurisprudência, indeferido o pleito quando não plenamente demonstrados todos os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, em específico, da decorrente do dano à existência, conforme se vê:

INDENIZAÇÃO POR DANO EXISTENCIAL. PRESTAÇÃO DE HORAS EXTRAS. A realização de extensa jornada pelo empregado não configura, por si só, o dano existencial, o qual depende de prova. Caso em que o autor não se desonerou do ônus que lhe competia de demonstrar suas alegações no sentido de que o fato de ter laborado em jornada extraordinária tenha ofendido sua dignidade, ou que tenha ensejado prejuízo para as suas relações interpessoais. (Acórdão - Processo 0000325-79.2011.5.04.0251 (RO) Data: 03/04/2014                Origem: 1ª Vara do Trabalho de Cachoeirinha Órgão julgador: 5A. TURMA Redator: CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS)

Trata-se o dano existencial, portanto, de uma proteção à dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade, de maneira a não permitir o abuso por parte de outrem a ocasionar lesão ao direito ao projeto de vida ou à vida de relações, o que, é capaz de gerar danos negativos ao indivíduo, que acaba privado da realização pessoal e do direito à concretude da felicidade e da realização de seu ser.
Em face da natureza ínfima que o dano é capaz de atingir, cabe traçar alguns comparativos do instituto ao dano moral, de modo que não se tratam de danos idênticos.

5.2 O dano moral e o dano existencial

De acordo com Venosa (2012), o dano moral se constitui em lesão ao patrimônio psíquico ou ideal da pessoa e de sua dignidade, traduzindo-se nos direitos da personalidade. Matielo (2001) conceitua o dano moral como aquela lesão à reserva do psíquico ocasionada por conduta humana, como nos casos de calúnia, a difamação ou a injúria.
Diz Theodoro Júnior (1999, p. 2) que

são danos morais os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana (“o da intimidade e da consideração pessoal), ou da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (“o da reputação ou da consideração social”).

Há dano moral, portanto, quando a vítima suporta dores provocadas por atitudes de outrem aptas a configurar lesões na esfera interna e valorativa de ser como entidade individualizada (THEODORO JÚNIOR, 1999, p. 2).
Feitas tais considerações a respeito do dano moral, cabe elaborar uma comparação entre este instituto e aquele antes apresentado, fazendo-se mister mencionar que “há quem entenda que o dano moral e dano existencial são modalidades distintas. Diferentemente, outros entendem ser o dano existencial espécie do dano moral” (NASCIMENTO, 2014, p. 966).
A teoria de que se tratam de institutos autônomos prega que a diferença basilar entre ambos se encontra em um dano de fazer ou não fazer:

a diferenciação entre eles repousa no fato de o dano moral ser fundamentalmente um sentir, enquanto o dano existencial estar ligado a um deixar de fazer ou relacionar-se. Assim, o dano moral refere-se ao sentimento da vítima – plano subjetivo; enquanto o dano existencial diz respeito à alterações prejudiciais do cotidiano do trabalhador – constatação objetiva. (NASCIMENTO, 2014, p. 966)

Defensor de tal teoria, Boucinhas (2013) salienta que a diferença entre os institutos reside no fato de que o dano moral tem uma repercussão íntima, tendo uma dimensão íntima e prescindindo de prova, enquanto o dano existencial é passível de constatação objetiva, necessitando de prova de sua ocorrência.
Para Soares (2009) há distinção entre os danos existencial e moral, ao passo que esse é essencialmente um sentir, enquanto aquele é um não mais fazer, alterar a forma de agir, ocorrendo uma limitação à vida pessoal do ofendido. Consequencia de tal distinção é a possibilidade de cumulação de ambas as indenizações, quando provenientes do mesmo fato gerador (BOUCINHAS, 2013).
Por outro lado, há quem entenda que se trata o dano existencial de espécie do dano moral. Defensora de tal teoria, Sônia Nascimento (2014, p. 966) diz que

(...) pugna-se ser mais consentâneo com as regras da teoria geral do direito a caracterização do dano existencial como espécie do gênero dano moral. Isto porque, em sendo o dano moral lesão à dignidade do indivíduo, uma vez que o dano existencial, ao fim e ao cabo, viola o direito de personalidade do trabalhador, ou a sua pessoa, ou seu íntimo e seu sentimento, inclusive; este, inequivocamente, viola também à dignidade humana, conclui-se, portanto, que este é espécie daquele.

Justificam sua tese os defensores da teoria de que o dano existencial é subespécie do dano moral afirmando que, adotando-se o dano moral como gênero, admite-se, indiretamente, que o dano moral arque com outras espécies de dano, como o estético e o assédio moral e sexual, por exemplo.
Tal dicotomia trará acirradas discussões ao âmbito judicial, na medida em que o dano existencial for difundindo-se doutrinária e jurisprudencialmente, ao passo que sua descendência ou não do dano moral – ou sua confusão ou não com o dano moral – traz como conseqüência a possibilidade de cumulação dos institutos, o que, se percebe algumas discussões na jurisprudência, sem muitos fundamentos e sem adentrar em grandes méritos.


6 CONCLUSÃO

O histórico de injustiças que segue os trabalhadores é de longa data, estando estes sempre em uma situação de fragilidade no universo capitalista, ainda que as situações se transmutem e o direito trate de corrigir gradativamente determinadas incorreções.
Por mais que normas venham a tutelar e coibir certas situações – como a exposição a situações degradantes durante a Revolução Industrial – outras novas surgirão, caso da imposição de jornadas excessivas, mesmo que contraprestradas, decorrência da dinamicidade das relações.
Ainda assim, atento para o valor do ser humano como indivíduo na sociedade em que está inserido, cuidou – e cuida – constantemente de proteger os valores basilares da essência deste, conforme se viu pela inserção constitucional de direitos fundamentais, direitos da personalidade e pela consagração do princípio da dignidade da pessoa humana.
Decorrente de tal proteção, denotação a preocupação do operador em buscar no direito italiano substrato para defender o trabalhador de abusos capazes de gerar danos em sua vida pessoal, de modo a afetar as relações e seus projetos.
Viu-se no presente estudo que, por se tratarem tais danos de prejuízos gerados em decorrência da relação de emprego, tem competência para julgar e processar tais ações a Justiça do Trabalho, o que mostra-se justo e benéfico, visto seu caráter tutelador e protetor ao hipossuficiente, conforme se denota dos princípios expressos em tal ramo jurídico.
No entanto, não há de se descuidar que, embora tais ações sejam de competência da Especializada, aplicam-se ao procedimento normas de cunho civil, visto se tratar a responsabilização de uns instituto de ordem civilista.
Ao tratar do aspecto da responsabilidade, restou claro que não existe responsabilidade sem a prova de tal ocorrência, observados os pressupostos mínimos para tal reconhecimento, sendo a culpa do ofensor, o dano e o nexo causal, ocorrendo que, ausente o nexo entre o ato e o dano, não pode ser responsabilizado o ofensor, porquanto não deverá pagar por algo que não cometeu.
Por fim, especificamente com relação ao cerne de tal estudo, viu-se que o dano existencial decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, visando proteger os direitos da personalidade, de modo que são objetos de tal proteção o direito à vida de relações intactas e ao projeto de vida. Desse modo, busca-se frear os abusos do empregador, o desrespeito a preceitos mínimos que possam acabar afetando a vida pessoal do obreiro. Assim, eleva-se o princípio da dignidade da pessoa humana para garantir que seja sua vida de relações e sonhos alavancada a um patamar mais elevado que o do trabalho.
É possível concluir, ainda, que, por se tratar de um instituto novo, cabem muitas discussões a seu respeito e a jurisprudência e a doutrina ainda tecerão aspectos importantes sobre ele, que tende a ter uma crescente disseminação nos foros e tribunais.
A doutrina é um pouco tímida e divergente, mas a tendência é uma explosão de “mercado”, porquanto sua presença no cotidiano dos trabalhadores, independente do ramo assumido, é deveras elevada.










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[1] Advogado, Doutor em Direito do Trabalho- USP, Pós-Doutor em Direito – Universidade de Roma TRE, Professor do Departamento de Direito e do PPGD-Mestrado e Doutorado da UNISC, Professor Catedrático  e Membro Honorário da Academia Brasileira de Filosofia
[2] Bacharel em Direito, Advogado e integrante do Grupo de Pesquisas “Princípios do Direito Social no Constitucionalismo Contemporâneo”, da UNISC

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